Menina não entra

Pouco importa que haja Directoras de festivais de BD ou que a Druuna seja publicada em Portugal por uma editora-mulher, tudo isso mereceria uma discussão do que elas projectam, apoiam e publicam. Uma análise maior seria necessária ser feita um dia destes. O pior mesmo é ver recentes “livros de referência” organizados por velhos provincianos com apoio de fundos europeus a ignorarem de alto as autoras portuguesas.

Se editar hoje é fácil, e nesse sentido não há descriminação de género (há bons exemplos históricos como a Chili Com Carne e Nova Comix mas também nas Bedetecas de Lisboa e de Beja), o problema parece ser outro: a constante falta de atenção à importância das mulheres na cena, especialmente até porque foram elas as que mais fizeram por dar uma imagem de excelência artística lá fora – e cá dentro, dada a (quase) miséria das ofertas de BD dos “machos” promovidas pelos “bedófilos” e “bedófilas”.

Aqui vai uma lista de apenas alguns embaraços direccionados a esses “bedófilos”, a começar pela ausência da “Bixa” (Maria Antónia Cabral) cuja série 3 de Braço dado (1949-54) merecia uma reedição ou pelo menos uma releitura graças ao seu estilo gráfico jovial e discurso divertido. O urso Rom-Rom, o coelho Tanso e o esquilo Finó vivem juntos, prontos para traquinices e vida saudável, isto na revista Lusitas, da Mocidade Portuguesa Feminina, que é gerida pelas suas irmãs – “Mitza” (Maria Teresa Santos) e Maria Cristina Santos. Essas irmãs também terão interesse porque no meio da moral cristã, desenham umas BD’s “heréticas” fofinhas como o Menino Planeta e uma saga feérica como o Romance de Mirtal. As cores e composições são impressionantes, o luxo gráfico é vastamente superior aos dos autores e revistas para o público masculino. No entanto nunca foram reeditadas e nas obras de referência da História da BD portuguesa pouco protagonismo se dá as estas autoras. No caso de “Bixa”, esta assumiu o fim da sua carreira com o 25 de Abril de 1974, obviamente devido ao seu relacionamento com o regime, no entanto, o conteúdo do seu trabalho pouco terá de propaganda ao contrário dos seus contemporâneos masculinos, esses sim periodicamente reeditados com os seus “clássicos” dos “Descobrimentos”! A falta de reedições sobre estes trabalhos deve-se a recusa das autoras, desconfortáveis na Democracia, ou são “apenas” apagadas porque o trabalho não interessa aos editores-homens-de-barba-rija?

Depois há a Maria João Worm (imagem*) que foi uma das vencedoras do importante concurso Fumetto, tem vários livros editados e foi das artistas com as propostas mais ousadas na revista Lx Comics – atrevemo-nos a falar de mais mulheres nesta grande publicação sob a batuta do Renato Abreu e João Paulo Cotrim!?

Nos dias de hoje a lista é grande: Amanda Baeza é uma das autoras com maior prestígio e projecção internacional com o seu livro publicado por editoras como a Fulgencio Pimentel e Kus!; Mariana Pita foi até hoje a única artista portuguesa (homem ou mulher) a ser publicada na Fantagraphics (explicar a importância da “Fanta” seria infantil da nossa parte!); Mosi com a sua tenra idade é uma autora com vários livros publicados e já é uma docente a nível europeu; Hetamoé será das artistas mais originais a nível global – e o mesmo poderíamos dizer da Cátia Serrão ou estamos enganadas?; Joana Estrela que dispensa apresentações mas que não tinha hipóteses nenhumas de ganhar os 5000 euros do prémio Zé Pacóvio deste ano; Júlia Barata tem publicado regularmente em Portugal e na Argentina; e ainda podemos referir a Sofia Neto com um trabalho de fazer inveja a muitos homenzinhos que acham que dominam a Ficção Científica.

Falamos de dois livros saídos o ano passado pela SHeITa, que parece que saíram dos anos 80. Variantes : Uma Homenagem à BD Portuguesa tem uma falta de tesão dos seus participantes – sejam autores homens ou mulheres – que fizeram deste álbum algo mais parecido com os primeiros tempos do fanzine Shock do que com o catálogo Cent pour Cent – que se alguém o tivesse consultado não teria apresentado as suas frígidas versões das páginas “homenageadas”.

O outro é Conversas de Banda Desenhada, que será sempre um documento válido mesmo que os autores de BD escolhidos sejam na maioria desinteressantes em todos os aspectos. No passado já se fez algo assim, e igualmente com alvos falhados mas não deixa de ser raro este tipo de livro em Portugal, isto é, no formato “entrevistas”. Será sempre um “bom” documento, só é pena ser mais uma oportunidade perdida.

Existem QUATRO Bedetecas neste país, seria útil que os “bedófilos” invés de terem certezas absolutas dos seus gostos limitados, machistas e nostálgicos se dessem ao trabalho de investigar um pouco mais para não saírem estas tristezas que assistimos. E já agora, podiam, com tanta grana da UE, dar dinheiro a bons designers mas isso já é outra história…

*encontramos este Youtube da autora, sem relação com o que tratamos neste “post” mas não só o que ela diz é interessante como não queríamos perder esta referência ao vídeo dela, a acrescentar a este mais recente e mais revelador da sua persona artística.

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