Parece que a Junta de Freguesia dos Olivais, que gere a Bedeteca de Lisboa, adquiriu livros da Vitamina BD para a dita biblioteca especializada em BD, através da M Books (livraria “pop-up” em estações de metro e comboio) talvez, por esta ter usado, no período de Natal, as ruas dos Olivais para montar uma das suas barraquinhas.
Este belo gesto é na verdade apenas miserável. Há anos que a Bedeteca não tem orçamento para comprar livros novos e se aparecem novidades quase todas as semanas é tudo graças ao Depósito Legal e às ofertas dos seus utentes. Se se confirmar que foram feitas compras à M Books topa-se logo que os preços são de uva mijona (3 a 5 euros cada álbum), o que significa que estamos perante “monos”, ou seja livros que não se vendem e enchem armazéns.
A única coisa boa desta aquisição foi que a Bedeteca tornou-se na biblioteca em Portugal mais completa de BD editada do seu território! “Que bom!” (mesmo que signifique ter tudo o que é de mau que se publicou por cá!). E porque o catálogo da Vitamina BD já não estava antes na Bedeteca? Porque nem a Bedeteca nem ninguém em Portugal recebeu o Depósito Legal da Vitamina BD! Esta editora imprimia os seus álbuns na Eslovénia – significa isto, que na Eslovénia há uma biblioteca com os livros da Vitamina BD? Coitadinhos…
Com esta aquisição, permitiu-nos ter uma visão mais crítica do que foi esta editora que publicou mais de 80 títulos, entre 1999 e 2010. Se a memória era difusa, agora percebe-se bem porquê, quase tudo não passa de lixo de Fantasia e Ficção Científica redundante e brilhante (pela impressão, não pelo conteúdo), alguns títulos até são de extremo mau gosto. Dez anos depois de ter desaparecido do mapa, a Vitamina BD é pouco lembrada e com sorte daqui uns anos, se alguém se lembrar dela, será apenas por ter publicado quase tudo em álbuns de capa dura extremamente bem impressos, ao contrário das suas rivais do passado (ex: Méribérica/Liber). O luxo das suas edições devia-se ao facto dos livros serem co-impressos com outras editoras estrangeiras, em grandes tiragens, o que permitia que cada edição para cada país tivesse custos de impressão muito baixos – só o fotolito da cor preta é que mudava (para texto da BD e ficha técnica). Esta estratégia será usada, mais tarde, por editoras pequenas como a MMMNNNRRRG ou qualquer outra editora portuguesa que publique a cores – é uma constante no caso da G floy, por exemplo.
A Vitamina BD publicou um único livro que tivesse um tema contemporâneo, O Local do italiano Gipi, ignorando magistralmente o fenómeno “Romance Gráfico” que explodia na altura – como fizeram a Círculo de Abuso, Mundo Fantasma, Nova Comix, Polvo,… Não publicou nenhum autor português – a não ser que achem um luso-descendente norte-americano com uma série falhada de português. Deixou várias séries por terminar por causa da megalomania, como aconteceu no passado com as outras editoras, felizmente não haverá muitas lágrimas a verter, quase todas elas eram descartáveis, o que se prova pela voracidade do “show business” que alterou todas as regras do entretenimento popular nesta década com a concentração de capitais – Guerra dos Tronos, filmes Marvel, Star Wars, etc… O que se safa? O tal do Gipi, alguns álbuns de Hermann (uma verdadeira obsessão editorial pelos vistos), o Mr. Punch (imagem) e outros livros do Dave Mckean (alguns no campo da ilustração para a infância), os do Lewis Trondheim e mais alguns argentinos… Oito livros em oitenta!? Então sempre é verdade aquela máxima de que 90% do que se edita é lixo!
Eis pois então que chegou o refugo do mercado português à Bedeteca de Lisboa, os restos mortais de uma indústria decadente que merece morrer, como diz o outro.